sexta-feira, 5 de agosto de 2011

Pra refletir...


Os novos Joões (por Thiago Arantes)

Na década de 1950, quando o futebol ainda era jogado por seres humanos levemente barrigudos, com defeitos, sem assessores de imprensa e com pernas tortas, Garrincha inventou o “João”. João era qualquer um que marcasse o camisa 7 do Botafogo e da seleção brasileira.

João era todo mundo e era ninguém. Um dia era Zezinho, do São Cristóvão, pela terceira rodada do campeonato da Guanabara; noutro era Ladislav Novak, da Tchecoslováquia, na final da Copa do Mundo. João era o complemento perfeito de Garrincha, o coadjuvante que fazia brilhar o jogador brasileiro mais brasileiro que o futebol conheceu.

O João, catapultado da cabeça de Garrincha para a mitologia do futebol, virou marco de uma época. De um tempo distante em que o jogador fazia o que gostava de fazer, como gostava de fazer, quando gostava de fazer. De tempos em que era comum terminar a partida, subir no ônibus e ir embora para casa depois deixar o estádio de chinelo de dedo, andando entre os torcedores.

O João de Garrincha, grande personagem do futebol brasileiro, é símbolo de uma época que não voltará mais. O João, driblado, humilhado, avacalhado por Garrincha, ia de um lado para o outro atrás do camisa 7. Era feito de bobo, era graça pura. Era sorriso certo.

Pois não é que, meio século depois, o futebol brasileiro ganhou um novo João?

(Pausa para me acalmar, pensar BEM no que escrever e tomar o remedinho).

Pois é, negada. Seguinte: algum gênio da leifertização esportiva, ou da tadeuschmidtização do telespectador, inventou que jogador tem que comemorar gol imitando uma porcaria de um boneco. Cujo nome sugestivo é João Sorrisão.

Nenhuma referência ao João de Garrincha, gracias. Por que o cidadão que inventa isso com certeza não tem cultura futebolística suficiente para ligar dois pontos tão distintos da história.

Fato é que, um belo dia, o gênio inventou que quem imitasse um joão bobo em comemoração de gol ganharia um boneco.

E daí?

E daí que a ideia tinha tudo para ser um fracasso. Afinal, o Brasil é o país que viu Pelé imortalizar o soco no ar, Ronaldo balançar o dedo indicador, Viola imitar o porco, Paulo Nunes revolucionar a profissão de drag queen, entre outras comemorações históricas.

Não ia dar certo, claro que não ia porque aqui no Brasil os jogadores são criativos e nunc… Bom, mas deu certo, sim.

Virou mania a tal comemoração. Claramente superestimei a inteligência dos jogadores brasis, um erro primário para quem já está há pelo menos dez anos na janelinha do jornalismo esportivo.

Deve ter um mês e meio que a babaquice começou. E não há sinais de que ela vá parar. Para os jogadores, é a chance de aparecer em rede nacional – e dane-se se é imitando um joão bobo. Para a emissora nave-mãe, é a forma de mostrar o poder que exerce sobre os clubes, atletas e torcedores.

E pra quem gosta desse negócio de futebol, pra quem gosta de ver uma comemoração como a de Falcão no gol contra a Itália de 1982, para quem acha o máximo ver Tevez salvar o West Ham do rebaixamento e pular no meio da torcida – da torcida! – sem camisa, vibrando como se fosse um deles?

Falo por mim: acho imitar boneco por sugestão de uma emissora de TV um desrespeito sem tamanho.

Em vez de abraçar o técnico, de correr para a galera, de chorar caído no chão, o sujeito imita um joão bobo para ganhar um boneco? Putz.

Meus parabéns, caro jogador. Você acaba de trocar um momento de emoção com o seu torcedor, um alambrado, meia dúzia de lágrimas e abraços por um boneco de plástico.

O futebol dos tempos de Garrincha já se foi e não vou ficar falando que era melhor ou pior. Outros tempos, outro esporte. Não sou do time que gostaria de ver Garrincha jogando hoje em dia.

O futebol mudou. Ficou mais profissional, mais chato, mais não-pode-bandeira, mais não-pode-tirar-camisa. Mais me-manda-as-perguntas-por-email.

Aliás, melhor deixar Garrincha quietinho no canto dele. Hoje, o camisa 7 seria engolido por torcidas organizadas que o chamariam de cachaceiro. Seria pivô de crise com técnicos por faltar a treinos. Seria vetado por fisiologistas pelas pernas tortas.

Mas de uma coisa, pelo menos de uma, Garrincha iria gostar: os Joões de hoje são muito bobos. Bem mais bobos do que os laterais que ele enfrentou pelo mundo afora.

Texto retirado do Boteco do Arantes
Aproveitem a leitura.
Guilherme de M. Trindade