terça-feira, 19 de abril de 2011

A CRUZ DE CEDRO (Rodrigo Bauer)

Talvez tenha sido morto na guerra do Paraguai...
Ninguém o sabe por certo, que o tempo longe se vai
Num cemitério de campo plantou-se mais um cristão
E a Cruz de cedro, ainda verde, ficou cravada no chão.

No seu enterro pacato, poucos amigo, parentes...
É neles que permanece, pra sempre, um pouco da gente!
Depois, na noite com chuva, o campo inteiro sentiu
Mais uma ausência habitando o cemitério vazio!

O sol acendeu os dias e a vida então continuou
E a Cruz de cedro, ainda verde, vencendo a morte brotou...
Quando se deram por conta, de verde estava vestida
Uma ironia campeira marcando a morte com vida!

Em seu retorno pra terra, nunca talvez lhe ocorresse
Que emprestaria as entranhas para que a Cruz não morresse!
Ou sua alma guerreira, por ter a fibra imortal,
Ganhou a Cruz de madeira, se erguendo na vertical?

O tempo cruzou com tropas, carretas e temporais
E a Cruz abriu mais os braços pra receber os cardeais
Enraizou suas lendas e hoje, copando mistérios
Sombreia além dos antigos limites do cemitério!

Seu nome, a poeira da história, por certo já sepultou,
Mas sua Cruz é tão viva que, sem cuidado, brotou!
Descansa um homem sem nome dentro da cova sem luz..
Vencido pelo passado, velado por sua Cruz.

Aproveitem a poesia.
Guilherme de M. Trindade

quarta-feira, 6 de abril de 2011

Penúltima China (Antônio Augusto Fagundes)

Tua penúltima china
vai ser uma bruxa feia
cheia de ciúme de ti.
Ela se chama Velhice.
De tudo o que já disse
sobre a sua casmurrice
há mais pra dizer aqui.

Ela virá de mansinho
a te encontrar no caminho
- tu quase não vai notar:
primeiro, um cabelo branco
(“Não é nada, esse eu arranco...”
tu vais dizer quase a rir)
Porém depois, sem sentir,
outro, mais outro, outro mais
- todo o cabelo! E jamais
tu vais tapear ao tingir.

Ou então, num desvario
vai te arrancar fio por fio
até pelar a cabeça,
para que ninguém se esqueça
do triste casco vazio.

E a china ali, ao teu lado,
com o manso passo grudado
no teu passo, a prosseguir:
vai pegar na tua cara
(que as mulheres adoravam!)
e riscar mapas profundos
-sulcos, vales, rios e mundos
pés-de-galinha nos olhos
sob os óculos de grau,
esmagando em gesto mau
estranhos, murchos refolhos
ao redor de tua boca,
como uma criança louca
que rabisca em desatino.

E a china, sem muito tino
vai trocar teus poucos dentes
por outros, mais reluzentes,
completos! De dentadura...
Vai te mudar a figura
pergaminhando o pescoço,
fazendo um velho no moço
que tu foste alguma vez.
Sempre assim, a dois por três,
vai dobrar teu espinhaço,
te deixar com os pés de arrasto,
sem pena do tempo gasto
pelos caminhos da vida.

Que china mais atrevida!

Vai te deixar barrigudo,
ruim – ruim de tudo!
Vai trocar tua bombacha,
tua guaiaca, tua faixa,
por um pijama de lista.
Depois, a fingida artista
rouba as tuas alpargatas
e as tuas botas gaúchas
para te calçar bambuchas
nas pobres, cansadas patas!...

E adeus, canha do bom tempo!
De cigarro? Nem te falo...
Não mais pular a cavalo
nem aguentar uma briga.
Agora é dor-de-barriga,
pressão alta, desconforto...
Ou é míope, ou vesgo, ou torto,
não come churrasco gordo
nem chega perto do sal.
La putcha, que no final,
o homem, velho animal,
é o mesmo que um burro morto.

Mas o que dói, nessa china,
nesse maldito cambicho,
é o seu estranho capricho
de te roubar a tesão.
Na hora da precisão
- com muito ciúme da outra –
te retira a velha potra
para te deixar na mão...

Diacho de china ciumenta,
essa que chamam Velhice!
Eu não sei quem foi que disse
que ela vence porque é forte.
No fundo, não que me importe,
mas posso te assegurar:
ela só vai te largar
pra última china - a Morte.

Aproveitem a poesia.
Guilherme de M. Trindade